Geralmente, as pessoas vivem sua vida e continuam na rotina muitas vezes sem pensar na importância histórica dos eventos que acontecem aos seus redores. Porém há momentos que são verdadeiros marcos na história e vive-los é algo quase surreal porém marcante. E essa era a atmosfera do final dos anos 50 e começo dos anos 60 prosseguindo nos 70 quando os Estados Unidos embarcou no desafio da viagem espacial numa corrida frenética contra a União Soviética que parecia mais eficiente e preparada. Só o fato do homem voar para o espaço já era indício suficiente para informar ao mundo que história estava sendo feita. E quando o presidente Kennedy definiu o pouso na Lua como meta para a NASA no final dos anos 60, os eventos que se sucederam não poderiam ter dimensões menores que proporções verdadeiramente mitológicas da história moderna. O fato de pisar num outro mundo era algo superior à incrível.
Os astronautas que foram aceitos para o desafio se tornaram heróis nacionais e mundiais do mundo livre assombrado pela guerra fria. Eles estavam, afinal, enfrentando o perigo do desconhecido : o espaço sideral. Hoje os voôs do onibus espacial se tornaram algo rotineiro, sem importância, mas as missões Mercury, Gemini e Apollo não tinham nada de rotineiro. Dessa forma, homens acostumados ao perigo e com sede de aventura eram o perfil ideal para as missões mais especificamente eram os pilotos militares de teste.
Para quem é apaixonado pela história da aviação moderna, não pode de deixar de ler Voando nas Alturas de Chuck Yeager. Uma história que agrada qualquer idade, genero ou personalidade. Desse livro foi feito também um filme: The Right Stuff, altamente recomendado. Eu tive a oportunidade de ler o livro aos 14 anos de idade. Não consegui largar.
Seria então natural que pessoas que voassem nos limites da velocidade em aeronaves avançadas quisessem o mesmo nível de adrenalina em seus automóveis o que resultou nos pioneiros Astronautas se apaixonarem pelo símbolo de esportividade na América da época: o Corvette.
O piloto da marinha, Alan Shepard, um dos originais 7 da missão Mercury já estava no seu segundo Corvette, um 1957 fuelie quando ele se alistou no programa espacial em Abril de 1959. Shepard gostava de carros velozes e sua afinidade com o Corvette (ele também tinha um 1953) não passou despercebida pelo mago Zora Arkus-Duntov. Duntov até trouxe Shepard para Detroit para testar modelos do carro em pré-produção. Além do fato do status de celebridade que os Astronautas tinham, a idéia de presentea-los com um Corvette era algo bem delicado para a General Motors. Após o seu primeiro vôo suborbital, o presidente da GM na época Ed Cole, decidiu presentear Shepard com um Corvette 1962 equipado com interior de luxo Bill Mitchell. Esse seria o terceiro Corvette de Shepard.
Apesar de ir contrário às normas da GM contra presentar carros, a decisão de Cole (de acordo com a sua viuva, Dollie Cole que foi diretora do museu nacional do Corvette e vice-diretora do National Air & Space Museum) fazia total sentido. "Os Astronautas eram muito visados e era uma ótima publicidade para a GM." dizia Dollie Cole. Claro, atrás de um grande homem sempre há uma grande mulher visionária.
Colocar astronautas à bordo de um Corvette não era apenas um golpe de publicidade para a GM. "Quem melhor para representar nosso país que esses caras?" Dollie Cole declarou uma vez. "Eles arricam as suas vidas à todo instante, há diversos fatores desconhecidos nas suas missões apesar das pessoas terem a impressão que se trata de algo normal. Presentear os carros é uma forma de agradece-los pelo serviço prestado ao país."
Porém, a regra da NASA é que os astronautas não podiam endoçar nenhum produto, portanto o negócio com Shepard foi excessão. Mas o ex vencedor das 500 milhas de Indianápolis em 1960, Jim Rathman, que também era dono de uma concessionária em Melbourne Flórida teve uma idéia. Ele fez amizade com Shepard e também seu colega do programa Mercury, Virgil 'Gus' Ivan Grisson, que era um entusiasta incurável de carros de alta performance. Grissom foi um dos primeiros 7 astronautas que teve a infelicidade de afundar a sua capsula e que mais tarde iria morrer queimado no lançamento da Apollo 1. Rathman convenceu Ed Cole à criar um programa de leasing executivo especial para astronautas e assim a ligação dos astronautas com o Corvette nasceu.
Os gráficos pretos especiais dos Corvettes da Apollo 12.
As aventuras à bordo de Corvettes, por vários dos membros dos 7 astronautas originais da Mercury, se tornariam parte da lenda do programa espacial e história do Corvette. Shepard e Grissom apostavam todo o tipo de racha com os carros constantement arriscando a própria vida em troca da glória de estar na frente do outro. Gordon Cooper, além de tudo, tinha licença de piloto da SCCA e NASCAR e chegou a correr em alguns de seus circuitos. (Dennis Quaid faz o papel de Cooper em The Right Stuff). Mas ter um Corvette não era apenas privilégio dos loucos por velocidade como Shepard, Grissom e Cooper. Outro astronaulta, Alan Bean, recorda como eram aqueles dias com os Corvettes. "Haviam vagas na frente do prédio numero 3 do Johnson Space Center. E lá era praticamente um estacionamento de Corvettes nas mais diferentes cores e modelos. Era algo extremamente elegante!" Diz Bean. "Além do estacionamento, as ruas e estradas locais ficaram bem mais interessantes. Toda a vez que alguem via um Corvette, tentava identificar qual astronauta estava atrás do volante." O que mais que a GM poderia pedir, não é verdade?
Dois foguetes: O Stingray e o Saturn V
Porém não foi apenas pelo design do Corvette que Bean resolveu aproveitar as vantagens de leasing para astronautas. O que Bean gostava era da potência do carro apesar de nunca o te-lo guiado no limite. "O design do Stingray é fantástico muito mais elaborado que os carros atuais."
Como dá para perceber não era incomum astronautas comprarem Corvettes mas apenas a tripulação da Apollo 12 resolveu que seria legal ter carros combinando. Era normal, devido à natureza das missões e o tempo junto, que membros de uma tripulação ficassem bem amigos. Alías, algo quase que mandatório para o sucesso da missão. Dessa forma, 3 austronautas : Charles Conrad Jr., Richard Gordon Jr e Bean resolveram sentar e discutir uma pintura comum para os carros. Finalmente, resolveram pela cor dourada com asas pretas que seriam pintadas nos 3 carros quando sairam de fábrica. Quem pintou os carros não se sabe ao certo. O que se sabe que os 3 eram iguais: 427/390 cupês com câmbio manual de 4 marchas, encostos de cabeça esportivo (RPO A82), ar condicionado de 4 estações (RPO C60), calotas especiais (RPO PO2) e rádio AM/FM com memória de botão (RPO U69).
O Corvette de Reed, ex Bean exposto.
Porém o leasing era de apenas 1 ano e no final os carros foram devolvidos para a Chevrolet. O problema? Opinião pública começou a reclamar que os astronautas tinham os Corvettes. Pode? O fato é que esses homens representavam a nação e arriscavam a vida com o desconhecido porém algumas pessoas achavam isso demais porque acreditavam que era disperdício de dinheiro público. Muito status com dinheiro público.
Buzz Aldrin e seu Corvette
Nessa altura é prudente falarmos de Danny Reed de Austin, Texas. Reed se considera um "Chevy man" e já teve um Corvette split-window e guiou Corvettes a vida toda. A primeira vez que ele viu os carros da Apollo 12 foi a edição de Dezembro de 1969 da Life. Reed também conhecia sobre o programa especial de leasing desses carros. Então, ele viu um dos Corvettes da Apollo 12 que foi trocado por outro carro num lote de uma concessionária GM em Austin. Quando Reed viu o carro já sabia do que se tratava e como sempre teve grande interesse no programa espacial ele queria o carro para preserva-lo. Esse era o carro de Bean.
De acordo com Reed, o carro estava num estado razoável porém como não estava sendo usado fazia tempo, os pneus estavam vazios e destruidos. O Dealer então resolveu fazer um leilão fechado do carro e Reed deu um lance mas não ganhou. Porém a pessoa que ganhou nunca pagou ou buscou o carro, sendo assim seis semanas depois o carro era de Reed. Isso aconteceu em Agosto de 1971 quando o carro ainda era relativamente novo e várias pessoas conheciam sobre o mesmo. Ou seja, uma tremenda sorte.
Como era de se esperar, Reed fez a lição de casa que consistia numa boa pesquisa sobre esses carros. Reed não sabia exatamente onde as faixas pretas foram adicionadas no carro porém ele apreendeu o porque dos logos vermelhos, branco e azul que esses carros carregavam no paralama dianteiro. As iniciais LMP estavam no carro de Alan Bean. Significavam Lunar Module Pilot (piloto do módulo lunar) No carro de Pete Conrad Jr tinha CDR para Comander (comandante) e no carro de Dick Gordon Jr tinha CMP para Command Module pilot (piloto do módulo de comando). Nas missões da NASA, uma cor ela colocada nos objetos pessoais de cada tripulante, assim as iniciais de cada carro correspondiam essa lógica sendo azul para Bean, branco para Conrad e vermelho para Gordon. Quais objetos pessoais? Bem, trajes, compartimentos na nave e até o receptáculo para urinar. Ou seja, cores eram essênciais.
A vontade original de Reed era esconder o carro até o quinquagésimo aniversário do voô da Apollo de forma que apenas rodou 5.000 milhas entre 1971 e 1996. Porém, ele acabou alterando o plano quando o centro espacial de Johnson (no Texas) descobriu que ele tinha o carro de Alan Bean. Eles pediram ao Reed para expor o carro no evento anual de open house no centro espacial e isso foi algo que Reed não pode negar. O carro foi exposto todos os anos de 1996 à 2000 quando Reed finalmente decidiu que ele queria o carro em perfeito estado. Assim em Agosto de 2000 ele começou à restaura-lo no padrão Top Flight da NCRS.
Reed levou o carro para a Corvettes by Ray que é uma oficiona em Houston, Texas. Lá ele trabalhou no Stingray com o dono Ray Repczynski. Reed pode trabalhar ele mesmo no carro na oficina do Ray onde Reed se dedicou 3 semanas por mês mesmo tendo que dirigir de Austin para Houston o que significa 2 horas e meia na ida. O motivo de Reed ter escolhido a oficina de Repczynski era que o mesmo foi um dos primeiros membros da NCRS especializado em carros Top Flight e possue um vasto conhecimento sobre Corvettes. Reed reformou e recondicionou ítens no carro sem comprometer sua integridade e originalidade. O chassis foi todo limpo e sem ser desmontado da carroceria até que as marcas de tinta originais fossem expostas. A suspensão foi totalmente desmontada e recondicionada.
Porém, para preservar a história do carros, todas as peças originais que não podiam ser mais usadas foram guardadas por Reed. Peças como a bomba de água, o cilindro mestre, o compressor de ar condicionado e coisas que gastam e tem que ser trocadas com o tempo.
"O carro foi montado da mesma forma que saiu da linha de montagem. Nunca tiramos a carroceria do chassis. Pode ser que se fosse restaurado iria ficar melhor, mas iria machucar o valor de um carro que nunca foi restaurado apenas recondicionado. E esse foi meu objetivo."Diz Reed sobre o trabalho feito no Stingray. O trabalho recompensou e Reed ganhou o Top Flight no NCRS Mardi Gras que aconteceu em Baton Rouge em 2001 seguido de outro Top Flight no encontro nacional da NCRS.
Alan Bean ficou impressionado com o trabalho feito no carro. "Esta melhor agora comparado com a época que era meu." Diz Bean. Esses Corvettes da NASA são realmente especiais e Reed teve a sorte de poder comprar um nunca época que não valia grande coisa.
Carlos Scheidecker
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